terça-feira, 30 de abril de 2013

Uma pulga sentimental


Parti com os panfletos.
Enterrei-os na ribeira.
Tracei sobre a areia um plano...
Um plano de manifestação futura.
Deem-me essa ribeira, e bater-me-ei.
Bater-me-ei com areia e água.
Com água fresca, com areia quente. Bater-me-ei.
Estava decidido. Portanto via longe. Muito longe.
Via um camponês fincado como uma catapulta.
Chamei-o, mas ele não veio. Fez-me sinal.
Fez-me sinal de que estava em guerra.
Em guerra com seu estômago. Toda a gente sabe...
Toda a gente sabe que um camponês não tem espírito.
Um camponês é só estômago. Uma catapulta.
Eu cá era estudante. Era uma pulga.
Uma pulga sentimental... As flores dos choupos...
As flores dos choupos explodiam em penugem sedosa.
Eu cá estava em guerra. Divertia o camponês.
Queria que ele esquecesse a sua fome. Eu fingia de doido. Fingia de doido diante do meu pai o camponês. Eu bombardeava a lua na ribeira.
Kateb Yacine
Nedjma Tricontinental Editora (1987) p.48,49