"[...] meu pai de
repente tomou a irrevogável decisão de me enfiar, sem mais tardar, na “boca do
lobo”, quer dizer, na escola francesa. Ele o fazia com o coração apertado:
_ Deixe o árabe
por agora. Não quero que, assim como eu, você esteja sentado entre duas
cadeiras. Não, se depender de minha vontade, você nunca será uma vítima da
Madraçal [1].
Em tempos normais, eu poderia ser seu próprio professor, e sua mãe faria o
resto. Mas aonde uma educação como essa o levaria? A língua francesa domina; é
preciso dominá-la, e deixar para trás tudo o que lhe inculcamos na sua tenra
infância. Mas, uma vez mestre na língua francesa, você poderá sem medo voltar
conosco ao seu ponto de partida.
Era mais ou
menos assim o discurso paterno.
Será que ele
mesmo acreditava?
Minha mãe
suspirava; e quando eu mergulhava no novo estudo, fazendo, sozinho, minhas
lições, eu a via perambular, como uma alma penada. Adeus ao nosso teatro íntimo
e infantil, adeus ao complô diário tramado contra meu pai, para replicar, em
versos, seus arroubos satíricos... e o drama se formava.
[...]
Minha mãe era
muito perspicaz para não se comover com a infidelidade que eu lhe fazia. E ainda a
vejo, toda aborrecida, arrancando-me dos livros – você vai ficar doente! – e
uma noite com a voz cândida, mas não sem tristeza, dizendo-me: “Já que não devo
mais o distrair de seu outro mundo, ensina-me então a língua francesa...” Assim se fecha a armadilha dos Tempos Modernos sobre minhas frágeis raízes, e não me
esqueço do meu estúpido orgulho no dia em que minha mãe, com um jornal francês
na mão, pôs-se diante de minha escrivaninha, longe como nunca, pálida e
silenciosa, como se a pequena mão do cruel aluno lhe atribuísse o dever, uma vez
que é seu filho, de vestir por ele a camisa-de-força do silêncio, e mesmo de segui-lo até o
fim de seu esforço e solidão – na boca do lobo.
Nunca deixei,
mesmo nos dias de sucesso ao lado da professora, de sentir no fundo de mim essa
segunda ruptura do cordão umbilical, esse exílio interior que só aproximava o aluno
de sua mãe para arrancá-los um do outro, um pouco por vez, sob o murmúrio do sangue, dos gemidos reprovadores de uma língua banida, secretamente, num só acordo, rompido tão logo concluído... Assim, perdi tudo de uma só vez, minha mãe e sua
linguagem, os únicos tesouros inalienáveis – e, contudo, alienados!"
Kateb Yacine
Le polygone étoilé, Éditions du Seuil, 1997 (p.180-182) - tradução livre.
Le polygone étoilé, Éditions du Seuil, 1997 (p.180-182) - tradução livre.