sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

De encontro à gueule du loup

Passar de uma língua à outra é possível, desde que não se perca o contato com o povo argelino e sua língua, o árabe falado. Não é o caso dos escritores que, por praticarem o francês, acabaram se distanciando da língua do povo. O árabe literário, que muitos não sabem, não traz o sal da vida encontrado na língua popular. Muitos escritores são desconectados dessa língua, dessa primeira fonte. É difícil retornarem. Eu mesmo só pude retornar no teatro.  

Entrevista com Jacques Alessandra para o jornal Travail théâtral 
(Paris, 1978)
publicada em Le poète comme un boxeur, 
entretiens 1958-1989 (tradução livre).

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

"100 ans de théâtre algérien", de Mohammed Kali


Nessa obra, articulada em três partes (O teatro na Argélia, o teatro argelino, o teatro pós-independência), Mohammed Kali propõe uma nova interpretação da história da quarta arte na Argélia, profundamente marcada pelo contexto e pelas diferentes mutações da sociedade. O autor se mostra sem concessões e relativiza, ou melhor, coloca em questão certas abordagens e teorias ligadas à prática teatral argelina, especialmente a contribuição dita “fecunda” do Maxerreque no início do século XX. (...) Na terceira parte da obra, consagrada ao teatro pós-independência, Mohammed Kali evoca o chamado "teatro das certezas", relativo aos primeiros anos de independência, e ao teatro de Mustapha Kateb. Relembra as experiências de Abdelkader Ould Abderrahmane, conhecido por Kaki, e de Abdelkader Alloula juntamente com El-Halqa e o “teatro identitário”, abordando o caso de Kadour Naïmi. Precisamente nesse capítulo o autor tenta reconsiderar a questão em torno de Kadour Naïmi, explicando claramente que suas divergências com Kateb Yacine eram, sobretudo, de ordem ideológica, e talvez aí se encontre a raiz do problema. O problema do teatro argelino parece residir no fato de que ele foi, desde sua criação, uma aposta. Aliás, até a problemática da língua – hoje muito menos importante, mesmo sendo utilizada de todas as formas durante os debates após as apresentações, especialmente nos festivais - foi uma aposta política nas décadas anteriores. Todos esses fatores nos levam a concluir que a subversão do teatro – uma arte viva, pois evolui - e seu impacto sobre os espectadores fazem com que a prática teatral evolua de acordo com o contexto histórico. 
Ler o texto integral em francês aqui


A literatura deve transmitir o sofrimento tal qual é

Toda a literatura de Kateb Yacine é um combate pela dignidade, é nisso que residem a poesia e a beleza de seus textos. A literatura deve transmitir o sofrimento tal qual é... Kateb tem essa capacidade de nos remeter a nossa própria dignidade. Tomei distância em relação a tudo o que li dele e o abordei a partir do pensamento de Lao Tseu, cujo princípio é a alternância entre os contrários (...) Sua poesia contém a música e o silêncio. Fiz também um paralelo entre ele e o poeta libanês Salah Stétié (também nascido em 1929), que escreveu em francês e viveu a mesma revolta, o mesmo dilaceramento em relação à língua. Tentei compreender a tentativa de Kateb manter um equilíbrio entre o amor e o ódio, a aproximação e a distância...ele soube regular a relação entre as antinomias. Através desse jogo de alternância, Kateb soube elevar Nedjma e a Argélia ao nível cósmico, conduzindo à ideia de escrita universal. 

Entrevista com Dima Hamdane,
intelectual e pesquisadora libanesa
Ler mais aqui

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Resposta de Kateb Yacine ao jornal parisiense Libération, em 20 de julho de 1988

"Descobri rápido, disse Sócrates, que não é pela sabedoria que os poetas criam suas obras, mas por um certo poder natural e pela inspiração, como os divinos e profetas que falam tantas coisas belas, mas não compreendem nada do que dizem." "A poesia, disse Shelley, não é como o raciocínio, faculdade exercida de bom grado.... O maior poeta não pode exprimi-lo." Blake confessa que escreveu seu poema Milton sem premeditar. Keats não estava consciente do que escrevia "por acaso ou por magia", isso lhe parecia a "produção de um outro". Goethe: "os cantos me fizeram, não fui eu quem os fiz." Mais lapidário, Rimbaud: "Eu é um outro." Wordsworth estava em transe quando concebeu sua conhecida ode: "As coisas que caem da gente, que se desvanecem..."
Conheci esse estado colaborador num inverno em Paris, terminando ao mesmo tempo, quase simultaneamente, Nedjma e Le cadavre encerclé. Em menos de dois meses, tudo acabou. Era maré cheia, eu era como um rio na tempestade. Escrevia sentado, em pé, comendo, e mesmo no sono: vinham-me de repente estrofes e frases que me acordavam em sobressalto. Tudo isso mostra a parte inconsciente no trabalho do poeta ou do escritor. O que passa longe da política.   

(tradução livre)
Kateb Yacine, Le Poète comme un boxeur: 
entretiens 1958-1989, Éditions du Seuil, 1994.