quinta-feira, 26 de abril de 2012

Homenagem a Kateb Yacine

Homenagem a Kateb Yacine, nos 50 anos do fim da Guerra da Argélia (1954-1962), dias 27 e 28 de Abril em Roubaix (França).

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Boca do Lobo, 17 de Outubro de 1961

Povo francês, tu viste tudo
Sim, tudo com os teus olhos.
Viste o nosso sangue correr
Viste a polícia
Espancar os manifestantes
E atirá-los ao Sena.
O rio Sena rubescente
Não parou nos dias seguintes
De vomitar no rosto
Do povo da Comuna
Esses corpos martirizados
Que lembravam aos Parisienses
As suas próprias revoluções
A sua própria resistência.
Povo francês, tu viste tudo
Sim, tudo com os teus olhos,
E agora vais falar?
E agora vais calar-te?


Kateb Yacine
Tradução de Luís Varela

domingo, 22 de abril de 2012

Como governar o burro?

"Nada abala a espessa cólera do oprimido; ele não conta os anos; não distingue os homens, nem os caminhos; o que o leva ao rio, ao repouso, à morte. Como governar o burro? Está destinado às coisas correntes. Mantêm-se neutro e malévolo; não segue o guia; neutraliza-o, comunica-lhe a sua magnanimidade de escravo."

Kateb Yacine
Nedjma
(Tricontinental Editora, 1987)

Le poète comme un boxeur

"O verdadeiro poeta (...) deve mostrar o seu desacordo. Senão se exprime na plenitude, engasga-se. Esta é a sua função. Fazer a revolução no interior da revolução política. Ele é, na perturbação, o perturbador eterno.(...) O poeta é a revolução em estado nú, o próprio movimento da vida."

Kateb Yacine
Le poète comme un boxeur (1994) 
trad. por aqf

sábado, 21 de abril de 2012

Efusões de locomotiva

"O expresso Constantina-Bona tem o sobressalto do centauro, o soluço da sereia, a graça ofegante da máquina com a energia no limite, rastejando e contorcendo-se no joelho da cidade sempre fugidia na sua lascívia, tardando a desfalecer, agarrada pelos cabelos e confundida na ascensão solar, para acolher do alto estas efusões de locomotiva; as carruagens largam passageiros que, quais bichos indecisos depressa devolvidos ao estado de alerta, dormitam; nenhum levanta a cabeça diante do Deus dos pagãos chegado ao seu quotidiano poder. Meio-dia, reflexão de África com falta de sombra inacessível nudez de continente comedor de impérios, planície repleta de vinho e de tabaco; o meio-dia adormece tanto como um templo, submerge o viajante; meio-dia! acrescenta o relógio, na sua opulência sacerdotal, e a hora parece atrasada com a máquina sob a ventilação das palmeiras, e o comboio depressa perde os seus encantos (...)"

Kateb Yacine
Nedjma
(Tricontinental Editora, 1987)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Liberdades com o tempo

"(...) Nedjma foi publicado em plena guerra da Argélia e os leitores franceses não estavam suficientemente preparados para entrar no universo de Kateb Yacine, que era um poeta magnífico e que espantou toda a gente com este romance."

Tahar Ben Jelloun
em entrevista a Carlos Vaz Marques
DNA, 18 de Novembro de 2005

"O Pó da Inteligência" encenação de Luís Varela (1977)

Entre a adesão e a liberdade

"O contacto com escritores e críticos de uma Argélia ainda subsidiária da cultura colonial, mas vivendo a hora do anti-colonialismo militante, foi para mim muito elucidativa: lembro-me por exemplo, do poeta francês Jean Sénac, ou de tantos como ele, desgarrados entre a sua adesão à causa da independência e a liberdade que lhes começava a ser coartada pelos novos senhores no poder. A tal ponto que alguns se tornaram exilados do interior, enquanto outros, mesmo argelinos, como Kateb Yacine, tiveram de desterrar-se, à letra, por não aceitarem vergar-se às injunções ideológicas dominantes."

José Augusto Seabra
Antologia Pessoal vol. IV (2001) p.25

28 de Outubro de 1989

"In that same period, early in March 1989, Kateb Yacine discovers that he his ill. He is in France, he left Paris where he had received the major French prize the year before. His youngest son, [Amazigh Kateb] an adolescent, is with him. He no longer enjoys spending time in Paris: his friend and hostes, the most warmly devoted Jacqueline Arnaud had died the previous winter, practically collapsing in the poet's arms as she served him tea. Yacine plans to settle in Provence to write which amounts to his turning his back on the Algerian land. (...) The 1st of November '89 came: early morning, Ali Zaamound rushed off to the Algiers airport. A special plane, sent by the Algerian authorities, was bringing the body of its greatest poet home. Kateb Yacine had died on the 28th of October in Grenoble of leukemia, which had conquered him in just six months.
Strange coincidence, a first cousin of Yacine's, Mustapha Kateb (who had been the inspiration for one of the heroes of Nedjma and who was a first rate theater organizer of a sort of theater worlds apart from the work of Yacine) had died on the 29th of October in a hospital in Marseilles. So the charter was bringing back the two bodies, cousins who hadn't spoken in years. On this final journey home, a woman in mourning had traveled with the bodies: another cousin, one whose beauty and aura, as a young girl, had been the muse for Kateb Yacine's heroine, the very real Nedjma whom the poet had loved as an adolescent, his first love from which he had never truly recovered (...)."

Assia Djebar
Algerian White (1995) pp.148-149.

Kateb Yacine e Albert Camus, "irmãos inimigos"

"Meu caro compatriota,

Exilados do mesmo reino, eis-nos agora dois irmãos inimigos, envoltos no orgulho da possessão renunciadora dos que rejeitam com soberba a herança para não terem de a partilhar. Mas eis que essa bela herança se transforma no lugar assombrado onde são assassinadas a própria Família ou a Tribo, consoante os dois gumes do nosso Verbo, no entanto único. Grita-se nas ruínas de Tipasa e de Nadhor. Iremos juntos aplacar o espectro da discórdia, ou será já demasiado tarde? Veremos em Tipasa e Nadhor os coveiros da ONU disfarçados de juízes e depois de leiloeiros? Não espero uma resposta precisa e sobretudo não desejo que a publicidade faça eco nos jornais diários da nossa hipotética coexistência. Se um dia se reunir um Conselho de Família, será certamente sem nós. Mas é urgente (talvez) voltar a pôr em movimento as ondas da Comunicação, com o ar de não lhe tocar que caracteriza os órfãos perante a mãe que nunca morre verdadeiramente.

Fraternalmente.
Kateb Yacine
missiva a Albert Camus (1957)
trad. por aqf
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No dia 16 de Outubro de 1957, Albert Camus recebe o Prémio Nobel da Literatura. No dia seguinte, chega às suas mãos esta carta de Kateb Yacine, na altura com 28 anos de idade. Camus acabara de publicar O Exílio e o Reino, Kateb Yacine escolhe bem as palavras. A guerra na Argélia estava longe do fim. Era uma tragédia pessoal para ambos, mas Camus não apoiava a independência.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Para disfarçar a perplexidade

"O meu braço esquerdo alongara-se consideravelmente. A ribeira da qual nos encontrávamos elevava-se sobre as pedras, flutuando entre céu e terra. Ouvi os insectos a abrirem caminho na floresta, e julguei mesmo ouvir circular a seiva, aproveitando a noite. Mais ainda, novas ribeiras e árvores estavam prestes a nascer no fundo da terra, forçando-me a prestar a maior atenção às delícias da insónia. (...) Era tarde de mais para reflectir. Sentia subirem-me aos lábios palavras de desafio, que recalquei para não incomodar ninguém. Houve um longo silêncio, cada um de nós tomando um ar irónico para disfarçar a perplexidade."

Kateb Yacine
Nedjma
(Tricontinental Editora, 1987)

A revolução e a poesia

[Depois de ser preso] descobri as duas coisas que me são mais queridas: a revolução e a poesia."

Kateb Yacine
La Nouvel Observateur (1967)
trad. por aqf

Máquina política e neocolonial

"A francofonia é uma máquina política e neocolonial (…) escrevo em francês para dizer aos franceses que não sou francês."

Kateb Yacine
trad. por aqf

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pela raiz

"Através de que bússola devo orientar-me? (...) Devo ir, com o coração entre os dentes para esta terra húmida e entreaberta, subir às árvores pela raiz?"

Kateb Yacine
trad. por aqf

Mitologia da nação árabe

"A Argélia oferece o espectáculo de um país subjugado pela mitologia da nação árabe, pois em nome da arabização suprime-se a Tamazight* (...) A Argélia Francesa durou cento e trinta anos. O araboislamismo durou treze séculos! (...) No entanto, não existe nem a raça árabe, nem a nação árabe. Há uma língua sagrada, o Alcorão, da qual os líderes se servem para ocultar do povo a sua própria identidade. (...) E como a ignorância dá origem ao desprezo, muitos argelinos que se crêem árabes, como outros se crêem franceses, negam as suas origens."

Kateb Yacine
trad. por aqf do prefácio a
Aït Menguellet chante: chansons berbères contemporaines de Tassadit Yacine.
*língua berbere

Como se Nedjma

"O vento varrera o salão, proscrevera toda a visão, e o turbilhão do sangue não permitia que nenhuma ideia se fixasse, como se a cidade, graças à tempestade, fosse libertada das folhas mortas, como se a própria Nedjma volteasse algures, bruscamente varrida."

Kateb Yacine
Nedjma (1956)

Doutrina

"O que eu rejeito em Brecht é a forma como ele, um poeta, continua a subordinar a poesia ao ensino de uma doutrina."

Kateb Yacine
trad. por aqf

Vagamente

"Talvez pressinta no furor impotente da penitenciária o instante em que a força que o arrastou ao crime o reconduzirá a nós, ignorando que terá de voltar à carga sob um céu cujos sinais não soubera decifrar; talvez captasse o sentido da nossa derrota, e revisitá-lo-ia então vagamente, como um ironia exorcizante, a recordação da batalha perdida (...)"

Kateb Yacine 
Nedjma (1956)