sexta-feira, 20 de abril de 2012

Kateb Yacine e Albert Camus, "irmãos inimigos"

"Meu caro compatriota,

Exilados do mesmo reino, eis-nos agora dois irmãos inimigos, envoltos no orgulho da possessão renunciadora dos que rejeitam com soberba a herança para não terem de a partilhar. Mas eis que essa bela herança se transforma no lugar assombrado onde são assassinadas a própria Família ou a Tribo, consoante os dois gumes do nosso Verbo, no entanto único. Grita-se nas ruínas de Tipasa e de Nadhor. Iremos juntos aplacar o espectro da discórdia, ou será já demasiado tarde? Veremos em Tipasa e Nadhor os coveiros da ONU disfarçados de juízes e depois de leiloeiros? Não espero uma resposta precisa e sobretudo não desejo que a publicidade faça eco nos jornais diários da nossa hipotética coexistência. Se um dia se reunir um Conselho de Família, será certamente sem nós. Mas é urgente (talvez) voltar a pôr em movimento as ondas da Comunicação, com o ar de não lhe tocar que caracteriza os órfãos perante a mãe que nunca morre verdadeiramente.

Fraternalmente.
Kateb Yacine
missiva a Albert Camus (1957)
trad. por aqf
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No dia 16 de Outubro de 1957, Albert Camus recebe o Prémio Nobel da Literatura. No dia seguinte, chega às suas mãos esta carta de Kateb Yacine, na altura com 28 anos de idade. Camus acabara de publicar O Exílio e o Reino, Kateb Yacine escolhe bem as palavras. A guerra na Argélia estava longe do fim. Era uma tragédia pessoal para ambos, mas Camus não apoiava a independência.