domingo, 13 de julho de 2014

Kateb Yacine na América


Três músicos, Picasso


Quando fala de sua viagem aos Estados Unidos, em entrevista concedida a Benamar Mediene, Kateb Yacine menciona o encontro entre a América e a África por meio do jazz:  

M.B. - E as noites americanas?
K.Y. - Passei minhas mais lindas noites com alguns grupos de jazz. Pude ver brancos e negros passarem a noite inteira juntos no clima mais fraterno. O jazz americano é tão envolvente que as pessoas afrouxam as rédeas. Vemos esses homens engravatados, que chegaram sérios e conformistas, desmancharem-se pouco a pouco como neve sob o sol e jogarem fora a máscara. A gente sente quebrar as carapaças, as barreiras sociais e raciais. Em momentos como esse, vi o quanto a África está implicada no que a América tem de mais profundo, assim como encontramos um poeta negro chamado Pushkin na raiz mais pura da língua russa. O espírito africano que se expressa pelo jazz comove os brancos. Ele contribui para a união de um povo americano voltado para o futuro, capaz de compreender que a África também aspira à união. Estamos no momento em que a Europa suprime suas fronteiras nacionais, e o mundo inteiro tende a se unir em grandes conjuntos. Estamos na Era do cosmos para finalmente chegarmos à dimensão universal e à aplicação dos direitos do homem, sem distinção de raça ou religião.    
Cultures n.0, Argel, julho de 1988
Fonte: Kateb Yacine, le poète comme un boxeur:
entretiens 1958-1989, Éditions du Seuil, 1994. (trad. livre)



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Na biografia de Kateb, Benamar Mediene discorre sobre as impressões do amigo:

"Os americanos têm uma capacidade incomum de esquecimento. Sua memória funciona como uma esponja. Depois de tudo reter, ela é espremida para recomeçar a absorver. Como explicar que um genocídio datando de menos de um século só seja relembrado através de um filme, onde a vítima é apresentada como sendo ela mesma o exemplo da barbárie?" 
Kateb Yacine, le coeur entre les dents
Paris: Éditions Laffont, 2006. (trad. livre)