segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Da cultura berbero-árabe

n. 04 (2006), Sumário

"ARGÉLIA tem como língua oficial o árabe mas outras línguas são igualmente faladas, como o berbere e o francês. O berbere é a língua materna de 25 a 35% da população (num total de 33 milhões de habitantes) e foi reconhecido como língua nacional mas «não oficial» desde 2002, aquando da revisão constitucional. A Argélia, enquanto colónia francesa, sofreu uma guerra de independência — obtida em 1962 com os acordos de Evian — a francização do ensino e o consequente desmantelamento do ensino em árabe. Após a independência, o Estado argelino e igualmente o marroquino optaram por uma política de arabização linguística sob o pretexto de regresso à cultura pré-colonial. Essa política pode parecer paradoxal uma vez que o árabe é apenas uma língua de colonização mais antiga desses países, já que os berberes eram os habitantes originais. É a partir de 1980 que a questão da oficialização do berbere se coloca de modo mais premente e aberto. Durante o período colonial, segundo o modelo de Albert Camus, autor francês inspirado pela sua vivência no Magrebe, e de outros escritores da denominada «Escola de Argel» que reunia jovens talentos, vários escritores de cultura berbero-árabe tentaram exprimir-se em francês, língua da qual receberam uma sólida formação escolar. Com efeito, enquanto colonizados foram afastados do árabe clássico, sendo o francês a língua com prestígio e o único meio de promoção social. Além disso, tendo em conta as elevadas taxas de analfabetismo do Magrebe (cerca de 90% em 1960) os escritores viam-se privados do seu público leitor natural e a única alternativa consistia em escreverem para os europeus, aos quais procuraram mostrar as realidades e problemas argelinos.
Por vezes, isso cria algumas animosidades por parte dos seus compatriotas escritores que vêem aí um sinal de submissão ao colonizador.
Devemos ter bem presente o drama linguístico do colonizado: movimenta-se entre duas línguas que não possuem o mesmo estatuto (sendo a língua materna do colonizado a menos valorizada) e que dão acesso a dois universos em conflito: o do colonizador e o do colonizado. (...)"

Ana Cristina Tavares
Babilónia nº4, (2006) pp. 41-53