terça-feira, 17 de julho de 2012

Banha-te, Nedjma...

"Os corpos das mulheres desejadas, como os despojos das víboras e os perfumes voláteis, não são feitos para perecer, apodrecer e evaporar-se na nossa atmosfera: frascos, redomas e banheiras; é aí que devem durar as flores, cintilar as escamas e as mulheres expandir-se, longe do ar e do tempo, tal como um continente submerso ou um destroço que se atira para o fundo do mar, para aí descobrir mais tarde, em caso de sobrevivência, um derradeiro tesouro. E quem não encarou a sua amante, quem não sonhou com a mulher capaz de o esperar nalguma banheira ideal, inconsciente e sem adornos, para a recolher sem desonra após a tormenta e o exílio? Banha-te, Nedjma, prometo-te não ceder à tristeza quando o teu encanto se dissolver, pois não há nenhum atributo da tua beleza que não me tenha tornado a água cem vezes mais cara; não é a fantasia que me faz sentir este imenso afecto por um caldeirão. Amo cegamente o objecto sem memória em que se disputam os últimos manes dos meus amores. Praza aos céus que saias lavada da tinta cinzenta que só a minha natureza de lagarto imprime injustamente na tua pele!"

Kateb Yacine
Nedjma (Tricontinental Editora, 1987)